Por Zuenir Ventura*, O Globo
O episódio do uso indevido de aviões
da FAB pelas autoridades máximas do Congresso — para assistir à final da Copa e
a um casamento — contribui para reforçar o sentimento generalizado de que “não
adianta, os políticos não tomam jeito”. Pois, quando se acreditava ser difícil
suplantar o deslize ético do deputado Henrique Eduardo Alves, eis que surge o
senador Renan Calheiros para mostrar ser pior.
O primeiro lançou mão da hipocrisia
para se explicar; o segundo, do cinismo. O presidente da Câmara alegou que tinha
um compromisso com o prefeito Eduardo Paes, com quem almoçou. Depois, como
havia o jogo Brasil x Espanha, ele aproveitou a coincidência para ir ao
Maracanã com os companheiros de viagem: seu filho, sua noiva, dois filhos, o
irmão publicitário e a cunhada dela e mais um publicitário (seu primo, o
ministro da Previdência Garibaldi Alves, também veio para o mesmo jogo, mas em
outro voo da FAB).
Como era difícil justificar tantos
caronas, ele acabou admitindo o “equívoco”, pediu desculpas e dispôs-se a pagar
o equivalente às passagens de um voo comercial. Depositou R$ 9,6 mil na conta
do Tesouro Nacional. É claro que tomou a decisão depois que a “Folha de
S.Paulo” revelou tudo.
Mas pelo menos não fez como o
presidente do Senado, que, denunciado por ter requisitado um jato para
comparecer com a mulher ao casamento da filha de um colega de partido, reagiu
com arrogância. Declarou que sempre utilizou esse expediente, porque se trata
de um “avião de representação”, a que se julga com direito por ser “chefe de poder”,
a exemplo da presidente da República, “que pega avião sem ser a serviço”.
Quando lhe perguntaram se ia
devolver o dinheiro das passagens, a sua e a de sua mulher, respondeu: “Claro
que não.” O senador se diz amparado por lei. De fato, um decreto presidencial
de 2002 prevê que autoridades como ele possam viajar em aviões da FAB, mas em
apenas determinadas circunstâncias, e o caso de Renan não se enquadra em nenhum
dos itens previstos.
Ele não
tinha “motivo de segurança e emergência médica”, não foi “a serviço” e nem se
deslocou para “o local de residência permanente” (o casamento realizou-se em
Trancoso, na Bahia, e o senador reside em Alagoas).
Sempre
falando como “chefe de poder”, ele alega: “Fui cumprir um compromisso como
presidente do Senado.” Segundo essa visão, uma das atribuições do cargo é
abrilhantar festa de casamento de filhas de correligionários — voando de graça
nas asas da FAB. A presidência da Casa já teve funções mais nobres.
PS.
Ontem à tarde, o senador voltou atrás e, “sensível aos novos tempos”, resolveu
devolver R$ 32 mil aos cofres públicos.
Zuenir Ventura* é jornalista.
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