Por ANDRÉ VILLAS-BÔAS
INADIMPLÊNCIA SOCIOAMBIENTAL
Carro-chefe do PAC, instalada em uma região da Amazônia com ausência histórica do Estado, Belo Monte é símbolo de inadimplência socioambiental. Obrigações do poder público e da empresa responsável pela construção da usina, a Norte Energia, têm sido sistematicamente descumpridas.
Apesar de a obra estar sendo planejada há 30 anos, a região atingida para receber a terceira maior hidrelétrica do mundo não obteve os investimentos e ações necessários para mitigar e compensar de maneira adequada seus impactos.
O mais caro e polêmico empreendimento do país chegou em 2013 ao pico de sua própria contradição. Praticamente 50% da usina está pronta, mas o mesmo não pode ser dito das obrigações socioambientais que deveriam acompanhá-la. O descumprimento, verificado pelo Ibama e pela Funai, não se traduz em ações corretivas. As mais graves sanções administrativas não passaram de algumas multas em valores irrisórios para um empreendimento orçado em quase R$ 30 bilhões.
Temas sensíveis à Amazônia como o desmatamento e a sobrevivência de populações ribeirinhas e indígenas têm sido tratados com descaso, sobretudo os últimos. Antes de promover investimentos estruturados para mitigação e compensação dos impactos, R$ 100 milhões foram gastos em quinquilharias consumistas para cooptar lideranças, em um padrão clientelista de relacionamento inaceitável.
Os programas de prevenção ou diminuição dos impactos relacionados à saúde indígena e à integridade de seus territórios, pressionados pelo aumento de renda e população trazidos à região pela obra, não saíram até hoje do papel, apesar de sua implantação ter sido prevista para antes do início da construção. A taxa de mortalidade infantil indígena em Altamira (PA) é quatro vezes superior à média nacional.
Se a usina ficar pronta antes de o aterro e o sistema de esgoto entrarem em pleno funcionamento –obras que estão dois anos atrasadas–, a parte do rio Xingu que envolve Altamira ficará contaminada, afetando a população da cidade.
Nesta semana, em decisão unânime, a Justiça ordenou parar a construção da usina até que fossem atendidas plenamente as obrigações socioambientais prometidas quando da licença ambiental.
Diversas vezes o governo conseguiu derrubar a paralisação da obra usando uma medida judicial criada à época da ditadura, a suspensão de segurança, que se baseia no argumento de que o cronograma da obra é mais relevante que os direitos das populações atingidas. Isso dá à empresa a sensação de estar acima das leis estabelecidas no país simplesmente por tocar uma obra considerada "estratégica".
O empreendimento esbarra em grave conflito de interesses. A União tem participação acionária de 50% na Norte Energia. A obra é 80% financiada pelo BNDES, vigiada permanentemente por 90 homens da Força Nacional de Segurança e defendida judicialmente pela Advocacia-Geral da União. Paradoxalmente é fiscalizada pelo Ibama, órgão de governo federal.
Não existe nenhuma instância de controle social efetivo nem mecanismo independente de fiscalização. Essa blindagem é um vício de origem da implementação de obras de infraestrutura, entre as quais Belo Monte se destaca pela forma com que foi imposta à sociedade brasileira sem oitivas aos povos indígenas e com audiências públicas meramente formais, para inglês ver.
A somatória de erros de Belo Monte não pode se repetir na Amazônia. A ausência de planejamento socioambiental responsável e respeito às instituições democráticas vão na contramão de qualquer projeto de desenvolvimento sustentável.
ANDRÉ VILLAS-BÔAS, 57, indigenista, é secretário-executivo do Instituto Socioambiental (ISA)
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