Do site ecodebate
O Ibama acaba de dar a licença para a construção que autoriza o início das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte. A obra é emblemática do modelo neodesenvolvimentista. Cientistas, pesquisadores, especialistas, ministério público, Ongs nacionais e internacionais, Igrejas e movimentos sociais têm questionado o projeto que configura-se economicamente perdulário, socialmente desastroso e ambientalmente devastador.
Onde é que estamos errando?, pergunta-se Telma Monteiro. Segundo a ativista ambiental, “a sociedade se esmera e vem a público mostrar as inconsistências dos projetos e seus respectivos objetivos. A comunidade científica transcende o seu papel nas análises e desconstrói os fundamentos do governo e seus técnicos. Os especialistas elaboram relatórios que demonstram claramente que vai haver prejuízo. Movimentos sociais e Ongs se posicionam difundindo as informações produzidas pela academia. Ministério público recorre ao judiciário. Os indígenas por seu lado bradam pela sua autodeterminação e direitos de escolher como querem viver. No entanto, assistimos abismados à continuidade daquilo que abominamos em nome de um desenvolvimento que não está muito bem explicado”, diz ela.
A obra tornou-se uma questão de Estado. “O governo não abre mão de Belo Monte”, avisa o ministro Gilberto Carvalho. O argumento do governo é de que a hidrelétrica é absolutamente indispensável para suprir a crescente demanda por energia. “Sem as hidrelétricas o Brasil pára”, tem sido o discurso do Estado. Não basta, porém Belo Monte, são necessários uma dezenas de outros projetos.
Apenas para a região da Grande Amazônia, o governo tem 19 projetos de usinas hidrelétricas. Para o país, o governo prevê até 2020 24 hidrelétricas. Na região amazônica, entre elas, destaca-se a construção do Complexo Madeira que faz pouco tempo foi notícia com a rebelião de Jirau. Outro megaprojeto que sobressaí na região é do Complexo Tapajós – o projeto prevê a construção de cinco usinas hidrelétricas no mesmo rio.
A Amazônia se tornou prioridade na expansão de fontes energéticas. A suspeição é de que a proliferação de hidrelétricas na região tem como objetivo central privilegiar, sobretudo, grandes empresas consumidoras de energia como Alcoa, Votorantim, Vale, Gerdau e CSN, entre outras. Empresas em sua maioria produtoras de commodities para exportação.
A energia produzida no Amazonas será ainda transportada por milhares de quilometros para abastecer a região sudeste. Os linhões do Madeira, por exemplo, sairão de Rondônia e irão atravessar o país em mais de 2.300 quilômetros para chegar a São Paulo, o que exige enormes investimentos e impactos ambientais. Para facilitar as coisas, há meses o governo trabalha em torno de um decreto federal que vai simplificar o procedimento de licenciamento ambiental para projetos de transmissão.
Não são, porém, apenas as hidrelétricas que pressionam os recursos naturais da região e as populações locais, outras “frentes” econômicas ameaçam o equilíbrio regional e provocam desastres sociais e ambientais. Destacam-se entre outros, a revitalização da rodovia 319 – com uma extensão de 880 km – 98% no estado do Amazonas – que liga Manaus-Porto Velho.
Ambientalistas são contra sua reabertura, que ligaria o arco do desmatamento em Rondônia à Amazônia Central, região onde a floresta ainda é bem preservada e a presença humana é pequena. Segundo Marina Silva, “podemos recuperar os trechos já consolidados da BR 319, mas no trecho não consolidado a recuperação [da estrada] não se justifica, pelo alto impacto ambiental e pela inviabilidade econômica. Serão milhões a serem investidos apenas para as pessoas passearem com seus carros, já que nesses trechos não há atividade produtiva. É melhor subsidiar a passagem de avião”, disse a senadora. A pavimentação, entretanto, nessa que é mais uma polêmica das obras do PAC na Amazônia foi decicida pelo governo Lula e deverá seguir em frente no governo Dilma.
A expansão das monoculturas da soja e da cana-de-açucar e a intensificação da pecuária na Amazonia Legal também pressionam enormente a região. O Brasil é hoje o maior exportador de carne bovina do mundo, de soja e de etanol. O conjunto dessas commodities está arrasando o bioma amazônico. Já faz algum tempo a floresta está virando capim, soja e, agora, ameaçada pela cana-de-açucar.
“O boi devora a Amazônia” estampou em manchete não faz tempo, o jornal francês Libération face ao crescimento galopante da pecuária em detrimento da floresta. Motosserras e tratores pondo abaixo extensas áreas de florestas, toras de todos os tamanhos circulando em caminhões com enorme dificuldade, córregos e nascentes soterradas. No lugar das imponentes árvores, a pecuária e a soja extensiva. Até onde a vista alcança, a floresta vem dando lugar ao pasto.
A intensificação da pecuária é coerente com a concepção desenvolvimentista do governo e têm sido uma doas grandes beneficiárias de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Por detrás do contínuo desmatamento na região está principalmente a pecuária e também a soja. As duas commodities se constituem em grandes vilões do desmatamento. A aprovação da Medida Provisória 458, da qual já nem mais se fala, e a aprovação agora, da reforma do Código Florestal, precisam ser compreendidas nesse contexto, são medidas que flexibilizam a legislação e ambiental e ampliam a potencialidade de exploração. Nos últimas semanas proliferaram as notícias do desmatamento na região por ocasião da expectativa da aprovação do Código Florestal. Alarmado com a situação, o governo chegou a criar um gabinete de crise para enfrentar o problema.
A ameaça da expansão da cana-de-açucar para a Amazônia, por ora, encontra-se bloqueada em função da Lei do Zoneamento Agroecológico da Cana. A lei assinada por Lula, entretanto, proíbe apenas novos empreendimentos nessas regiões. Dessa maneira, as nove usinas que já operam na Amazônia e na área do entorno do Pantanal mato-grossense, têm sua permanência e produção garantidas. A lei não surgiu tanto da vontade de preservação do governo, mas da pressão do mercado internacional, que poderia boicotar o etanol brasileiro. Revelou-se, pois uma tentativa mais de “esverdear” o biocombustível brasileiro, e dar uma resposta aos críticos internacionais e fazer passar uma imagem de um país preocupado com o ambiente. Ou seja, o argumento determinante foi o econômico e não o ambiental.
A agressiva expansão do capital na Amazônia está por detrás da violência crescente que se assiste na região, bem como dos anunciados desastres ambientais. Ao longo dos últimos anos, várias foram as posições e decisões que passaram a pressionar o bioma da Amazônia, muitos referidos aqui: intensificação da pecuária com subsídios do governo; aprovação da MP 452 (afrouxamento das regras de licenciamento ambiental para intervenções de reparo, melhoria e duplicação em rodovias federais); aprovação da MP 458 (favorecendo a grilagem);alteração do Código Florestal; asfaltamento da BR-319; enfraquecimento do Ibama (órgão de fiscalização do meio ambiente); liberação açodada dos transgênicos; entusiasmo com a produção de etanol; postura vacilante em relação a proposta de retalhar a Amazônia Legal; hesitação frente à idéia de expansão da plantação de cana-de-açucar na região amazônica.
A mais grave de todas as decisões, entretanto, é a decisão da construção de hidrelétricas nos rios Madeira, Tapajós, Teles Pires e Xingu. Esses projetos são economicamente, socialmente e ambientalmente devastadores e claramente favorecem grandes grupos exportadores de commodities. O Brasil em vez de assumir a vanguarda no processo de descarbonização da economia investe em matrizes energéticas questionáveis. Essas grandes obras implicam em grandes inundações de terras, em significativos deslocamentos de pessoas e em devastação ambiental gigantescas. Essa é também a lógica subjacente aos agrocombustíveis – que pressionam o bioma amazonico – e utilizam grandes extensões de terra, produção em larga escala, avançando sobre terras agricultáveis e voltadas para suprir preferencialmente o mercado externo.
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