sexta-feira, 22 de julho de 2011
Entrevista com Jarbas Vasconcelos: "O PMDB é Corrupto"
Senador peemedebista diz que a maioria dos integrantes
do seu partido só pensa em corrupção e que a eleição de
José Sarney à presidência do Congresso é um retrocesso
Por Otávio Cabral (Veja)
"A maioria se incorpora a essas coisas pelas quais os governos vêm sendo denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral"
A ideia de que parlamentares usem seu mandato preferencialmente para obter vantagens pessoais já causou mais revolta. Nos dias que correm, essa noção parece ter sido de tal forma diluída em escândalos a ponto de não mais tocar a corda da indignação. Mesmo em um ambiente político assim anestesiado, as afirmações feitas pelo senador Jarbas Vasconcelos, de 66 anos, 43 dos quais dedicados à política e ao PMDB, nesta entrevista a VEJA soam como um libelo de alta octanagem. Jarbas se revela decepcionado com a política e, principalmente, com os políticos. Ele diz que o Senado virou um teatro de mediocridades e que seus colegas de partido, com raríssimas exceções, só pensam em ocupar cargos no governo para fazer negócios e ganhar comissões. Acusa o ex-governador de Pernambuco: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção".
Veja - O que representa para a política brasileira a eleição de José Sarney para a presidência do Senado?
Jarbas Vasconcelos - É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador.
Veja - Mas ele foi eleito pela maioria dos senadores.
Jarbas Vasconcelos - Claro, e isso reflete o que pensa a maioria dos colegas de Parlamento. Para mim, não tem nenhum valor se Sarney vai melhorar a gráfica, se vai melhorar os gabinetes, se vai dar aumento aos funcionários. O que importa é que ele não vai mudar a estrutura política nem contribuir para reconstruir uma imagem positiva da Casa. Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão.
Veja - Como o senhor avalia sua atuação no Senado?
Jarbas Vasconcelos - Às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui. Cheguei em 2007 pensando em dar uma contribuição modesta, mas positiva – e imediatamente me frustrei. Logo no início do mandato, já estourou o escândalo do Renan (Calheiros, ex-presidente do Congresso que usou um lobista para pagar pensão a uma filha). Eu me coloquei na linha de frente pelo seu afastamento porque não concordava com a maneira como ele utilizava o cargo de presidente para se defender das acusações. Desde então, não posso fazer nada, porque sou um dissidente no meu partido. O nível dos debates aqui é inversamente proporcional à preocupação com benesses. É frustrante.
Veja - O senador Renan Calheiros acaba de assumir a liderança do PMDB...
Jarbas Vasconcelos - Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem.
Veja - O senhor é um dos fundadores do PMDB. Em que o atual partido se parece com aquele criado na oposição ao regime militar?
Jarbas Vasconcelos - Em nada. Eu entrei no MDB para combater a ditadura, o partido era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o pluripartidarismo, o MDB foi perdendo sua grandeza. Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos.
Veja - Para que o PMDB quer cargos?
Jarbas Vasconcelos - Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.
Veja - Quando o partido se transformou nessa máquina clientelista?
Jarbas Vasconcelos - De 1994 para cá, o partido resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer eleição. Daqui a dois anos o [a eleição para presidente não havia acontecido, e o que o senador previu se concretizou...] PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou com Dilma Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado.
Veja - Por que o senhor continua no PMDB?
Jarbas Vasconcelos - Se eu sair daqui irei para onde? É melhor ficar como dissidente, lutando por uma reforma política para fazer um partido novo, ao lado das poucas pessoas sérias que ainda existem hoje na política.
Veja - Lula ajudou a fortalecer o PMDB. É de esperar uma retribuição do partido, apoiando a candidatura de Dilma?
Jarbas Vasconcelos - Não há condições para isso. O PMDB vai se dividir. A parte majoritária ficará com o governo, já que está mamando e não é possível agora uma traição total. E uma parte minoritária, mas significativa, irá para a candidatura de Serra. O partido se tornará livre para ser governo ao lado do candidato vencedor.
Veja - O senhor sempre foi elogiado por Lula. Foi o primeiro político a visitá-lo quando deixou a prisão, chegou a ser cotado para vice em sua chapa. O que o levou a se tornar um dos maiores opositores a seu governo [o de Lula] no Congresso?
Jarbas Vasconcelos - Quando Lula foi eleito em 2002, eu vim a Brasília para defender que o PMDB apoiasse o governo, mas sem cargos nem benesses. Era essencial o apoio a Lula, pois ele havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética. Também não fez reforma tributária, não completou a reforma da Previdência nem a reforma trabalhista. Então eu acho que já foram seis anos perdidos.[essa entrevista foi em 2008] O mundo passou por uma fase áurea, de bonança, de desenvolvimento, e Lula não conseguiu tirar proveito disso.
Veja - A favor do governo Lula há o fato de o país ter voltado a crescer e os indicadores sociais terem melhorado.
Jarbas Vasconcelos - O grande mérito de Lula foi não ter mexido na economia. Mas foi só. O país não tem infraestrutura, as estradas são ruins, os aeroportos acanhados, os portos estão estrangulados, o setor elétrico vem se arrastando. A política externa do governo é outra piada de mau gosto. Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. É um governo medíocre. E o mais grave é que essa mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso.
"O marketing de Lula mexe
com o país. Ele optou
pelo assistencialismo,
o que é uma chave para
a popularidade em
um país pobre.
O Bolsa Família é
o maior programa
oficial de compra
de votos do mundo"
Veja - Mas esse presidente que o senhor aponta como medíocre é recordista de popularidade. Em seu estado, Pernambuco, o presidente beira os 100% de aprovação.
Jarbas Vasconcelos - O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.
Veja - O senhor não acha que o Bolsa Família tem virtudes?
Jarbas Vasconcelos - Há um benefício imediato e uma consequência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. Em algumas regiões de Pernambuco, como a Zona da Mata e o agreste, já há uma grande carência de mão-de-obra. Famílias com dois ou três beneficiados pelo programa deixam o trabalho de lado, preferem viver de assistencialismo. Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece.
Veja - A oposição está acuada pela popularidade de Lula?
Jarbas Vasconcelos - Eu fui oposição ao governo militar como deputado e me lembro de que o general Médici também era endeusado no Nordeste. Se Lula criou o Bolsa Família, naquela época havia o Funrural, que tinha o mesmo efeito. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso. A popularidade de Lula não deveria ser motivo para a extinção da oposição. Temos aqui trinta senadores contrários ao governo. Sempre defendi que cada um de nós fiscalizasse um setor importante do governo. Olhasse com lupa o Banco do Brasil, o PAC, a Petrobras, as licitações, o Bolsa Família, as pajelanças e bondades do governo. Mas ninguém faz nada. Na única vez em que nos organizamos, derrotamos a CPMF. Não é uma batalha perdida, mas a oposição precisa ser mais efetiva. Há um diagnóstico claro de que o governo é medíocre e está comprometendo nosso futuro. A oposição tem de mostrar isso à população.
"Eu fui oposição ao governo
militar e me lembro de que
Médici era endeusado
no Nordeste. Mas ninguém
desistiu de combater a
ditadura. A popularidade
de Lula não deveria ser
motivo para a extinção
da oposição"
Veja - Para o senhor, o governo é medíocre e a oposição é medíocre. Então há uma mediocrização geral de toda a classe política?
Jarbas Vasconcelos - Isso mesmo. A classe política hoje é totalmente medíocre. E não é só em Brasília. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais também fazem o mais fácil, apelam para o clientelismo. Na política brasileira de hoje, em vez de se construir uma estrada, apela-se para o atalho. É mais fácil.
Veja - Por que há essa banalização dos escândalos?
Jarbas Vasconcelos - O escândalo chocava até cinco ou seis anos atrás. A corrupção sempre existiu, ninguém pode dizer que foi inventada por Lula ou pelo PT. Mas é fato que o comportamento do governo Lula contribui para essa banalização. Ele só afasta as pessoas depois de condenadas, todo mundo é inocente até prova em contrário. Está aí o Obama dando o exemplo do que deve ser feito. Aqui, esperava-se que um operário ajudasse a mudar a política, com seu partido que era o guardião da ética. O PT denunciava todos os desvios, prometia ser diferente ao chegar ao poder. Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção. O pensamento típico do servidor desonesto é: "Se o PT, que é o PT, mete a mão, por que eu não vou roubar?". Sofri isso na pele quando governava Pernambuco.
Veja - É possível mudar essa situação?
Jarbas Vasconcelos - É possível, mas será um processo longo, não é para esta geração. Não é só mudar nomes, é mudar práticas. A corrupção é um câncer que se impregnou no corpo da política e precisa ser extirpado. Não dá para extirpar tudo de uma vez, mas é preciso começar a encarar o problema.
Veja - Como o senhor avalia a candidatura da ministra Dilma Rousseff?
Jarbas Vasconcelos - A eleição municipal mostrou que a transferência de votos não é automática. Mesmo assim, é um erro a oposição subestimar a força de Lula e a capacidade de Dilma como candidata. Ela é prepotente e autoritária, mas está se moldando. Eu não subestimo o poder de um marqueteiro, da máquina do governo, da política assistencialista, da linguagem de palanque. Tudo isso estará a favor de Dilma.
[mutos subestimaram...o honrado senador aqui mais uma vez foi certeiro, mesmo a eleição presidencial sendo dois anos depois]
Veja - O senhor parece estar completamente desiludido com a política.
Jarbas Vasconcelos - Não tenho mais nenhuma vontade de disputar cargos. Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência. Se ele ganhar, vou me dedicar a reformas essenciais, principalmente a política, que é a mãe de todas as reformas. Mas não tenho mais projeto político pessoal. Já fui prefeito duas vezes, já fui governador duas vezes, não quero mais. Sei que vou ser muito pressionado a disputar o governo em 2010, mas não vou ceder. Seria uma incoerência voltar ao governo e me submeter a tudo isso que critico.
PALAVRAS DO BLOGUEIRO
Porque decido publicar uma entrevista de mais de dois anos atrás? Primeiro para exaltar a antevisão e perspicácia deste senador íntegro e preocupado sinceramente com o país.
Segundo, aqui neste meu humilde espaço, e outros que contribuo, sempre tive um lema quando falo de política: Não jogar todos os políticos na vala comum...aliás isso é feito por 90% dos Blogs e Jornais...Não entendo isso..sinceramente acho que quem é corrupto e preocupado somente com seu bolso deve sim ser criticado, mas àqueles que fazem o bem, são íntegros devem ser exaltados também...até para que, àqueles que me lêem, tenham as referências boas, pois as ruins todos mostram....como um jovem, que queira contribuir com a sociedade, vai entrar na política sem as referências boas? Aqui o Senador Jarbas Vasconcelos é uma destas boas figuras da Política.
Terceiro, esta entrevista é pertinente.
Jarbas Vasconcelos está liderando no senado, junto com Pedro Simon - correligionário íntegro, portanto outra referência política boa - um movimento de oposição ao grupo de Sarney, uma espécie, nas palavras de Dora Kramer, de "rebelião pacífica" dentro do próprio PMDB,com objetivo de disputar eleição para presidente e impedir que José Sarney tenha êxito no plano fazer de Renan Calheiros seu sucessor.Tem aderido a "rebelião" vários novatos, como: Eduardo Braga, (AM) Luiz Henrique (SC), Casildo Maldaner(SC)Roberto Requião(PR) Ricardo Ferraço(ES) Waldemir Moka(MS) e tem conseguido êxito, como diz a ótima articulista Política Dora Kramer:
"A Pressão deles conseguiu fazer com que Renan Calheiros e Romero Jucá fossem à tribuna defender que a presidente Dilma Rousseff vetasse duas emendas em medidas provisórias apresentadas por parlamentares do próprio partido e consideradas indecentes:
Uma dava anistia a dívidas de banqueiros falidos e outra prorrogava,sem licitação, os contratos de lojas e serviços comerciais nos aeroportos.
E por que Renan e Jucá atenderam às exigências, quando normalmente não dariam bola para reclamações? Porque o grupo dos oito recebeu a adesão de outros três e, com isso, formaram maioria de 11 numa bancada à época de 19 (hoje são 20)senadores.Se não aceitassem, poderiam ter dificuldades: por exemplo, perder apoio para se manterem respectivamente como líderes do partido e do governo no senado.
Já ouve também ampliação da interlocução com o governo, até então uma exclusividade da trinca Sarney, Renan e Jucá.A idéia desses senadores é estabelecer um ambiente mais qualificado na bancada do PMDB, a maior do senado, e depois estender o movimento para outros partidos onde há parlamentares igualmente desconfortáveis com a degradação da casa"
Como arrematou a ótima articulista, é um movimento promissor, e que com paciência e poder de convencimento, poderá alterar a correlação de forças que estava em favor do "pacto da mediocridade" liderada por Sarney.Veja como este homem chamado Jarbas Vasconcelos se revesti de importância para pôr fim aos corruptos, coronéis e outros "comandantes do atraso" com que ainda pululam a política Brasileira.
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