15/09/2011
Belo Monte, saldo parcial: onze taxistas presos, um menino morto, uma delegacia invadida e um homem sem orelha
Ruy Sposati, de Altamira (PA)
Um menor de idade morto, um homem com o rosto desfigurado, uma delegacia invadida por quarenta trabalhadores - onze deles detidos, um resgate na prisão e justiça feita com as próprias mãos. Este é o saldo de um final de semana em Altamira, principal cidade da região afetada pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Para autoridades policiais e movimentos sociais, a construção da barragem aumenta a violência - e vem desacompanhada de políticas públicas ou mesmo de reforços de contingente policiais.
Segundo o superintendente regional da Policia Civil, o delegado Cristiano Nascimento, não há efetivo suficiente para atender às necessidades, que tem crescido com o início da construção dos alojamentos do canteiro de obras da hidrelétrica. "Somente em Altamira, a criminalidade aumentou 28%, do ano passado para cá. Neste período, sem que novos policiais tivessem sido trazidos para a delegacia", expõe.
Nascimento lembra que a regional é responsável por atender nove municípios da região, e não apenas Altamira. "Neste momento, precisaríamos de 50% a mais do que contamos hoje", acrescenta. Segundo ele, este número dobraria, caso Belo Monte siga seu ritmo de construção.
"As consequências de uma obra como esta, ainda em fase embrionária, são muito mais nefastas e complexas do que os discursos públicos do Ibama e do governo deixam transparecer", comenta a coordenadora do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Antonia Melo. "A criminalidade cresce e, claro, também cresce entre as camadas mais jovens e empobrecidas da população. O que vai acontecer com toda essa juventude? O que vai ser da vida aqui?", questiona. Para ela, Belo Monte é um caos e o governo sequer consegue colocar panos quentes em questões simples, como o aumento do reforço da polícia civil na região. "Nem isso eles fazem, o que dirá uma política pública séria que realmente trate de todas as consequências desse monstro... A cidade está completamente fora de controle. O governo e a Norte Energia simplesmente estão ignorando a vida de quem mora no entorno deste monstro que eles querem construir", lamenta.
Condicionantes
Sobre as condicionantes, o delegado é bastante explícito. “Sabe-se que há um planejamento para atender a região e que a Norte Energia assinou convênio com o estado de 174 milhões para a segurança, mas entre o planejamento e a execução, tem um pulo muito grande”. Para que haja contratações, é necessário haver concurso público - e segundo Nascimento, não há ainda nem o edital do concurso lançado. "Ou seja, até que seja feito o concurso, chamados e treinados, os novos policiais só poderão chegar em, no mínimo, um ano".
Para o representante do Instituto Socioambiental, Marcelo Salazar, as obras deveriam ter começado apenas depois que a região estivesse preparada para suportar as consequências que uma obra deste porte carrega consigo. "É um crime o IBAMA ter liberado essa licença. A quem será responsabilizado o caos que estamos assistindo? Ao taxista assaltado que não achou aparo na justiça e buscou soluções fora dela? Ao delegado que não tem condições de realizar seu trabalho? A falta de planejamento da prefeitura e do estado por não aparelhar a segurança da cidade?", levanta. Marcelo também credita a responsabilidade pela violência e desamparo à Nesa e ao governo federal a responsabilidade. "Eles conseguem planejar e executar as obras, mas não consegue cumprir as condições prévias de preparação socioambiental que uma obra dessa envergadura exige - e ainda afirmam que tudo está sub controle, escondendo a sujeira, o descaso, os próprios crimes", pontua.
Entenda
No sábado (10), um taxista foi assaltado, humilhado e quase morto em Altamira. Foi à pé até a delegacia, somente de cuecas, registrar a ocorrência.
Prevendo que seus pertences não seriam resgatados, organizou-se com outros trabalhadores e foram, em grupo, atrás dos criminosos. Não conseguiram reaver o que foi roubado, mas carregaram dois dos ladrões até a delegacia. Um foi preso e o outro foi liberado, por ser menor e idade.
Os taxistas voltaram novamente à residência do menor de idade, em busca dos pertences. Houve um conflito e o irmão do menor que estava na delegacia - também menor, com 15 anos de idade - foi morto, após esfaquear o rosto de um dos taxistas.
A polícia, então, deteve o taxista desfigurado por suspeita de homicídio, o que revoltou seus colegas de trabalho. No domingo (11), a delegacia regional da Polícia Civil de Altamira, no Pará, foi invadida por 40 taxistas. Eles renderam o delegado, um escrivão e um agente, entortaram com as mãos as grades apodrecidas do presídio e resgataram o taxista. O resultado foi a prisão de onze taxistas envolvidos no "resgate".
Neste mesmo final de semana, uma mulher foi assassinada. O culpado não foi encontrado. Na sexta-feira que antecedeu o feriado de 7 de setembro, três jovens foram esfaqueados e mortos na porta de uma discoteca na principal avenida da região central da cidade.
Ruy Sposati é jornalista e integrante do Movimento Xingu Vivo
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