quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O mamute incontrolado


Por Lúcio Flávio Pinto

Durante os próximos 30 dias, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social pretende liberar 19,6 bilhões para o projeto, que já recebeu do mesmo BNDES, em duas parcelas, neste ano, R$ 2,9 bilhões. O total do comprometimento, assim, é de R$ 22,5 bilhões. O montante representa 80% dos R$ 28,9 bilhões previstos para serem usados até tornar Belo Monte a terceira maior hidrelétrica do mundo.
Os títulos desta transação impressionam. Trata-se do maior empréstimo de toda história de 60 anos do banco. É três vezes maior do que a operação que ocupava até então o primeiro lugar no ranking do BNDES, os R$ 9,7 bilhões destinados à refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A usina do Xingu engolirá quase todos os recursos previstos — R$ 23,5 bilhões — para a área de infraestrutura nesse segmento, excluindo o metrô.
Os elementos de grandiosidade não param aí. Belo Monte é a maior obra em andamento no Brasil e a joia da coroa do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, transmitido por Lula a Dilma.
Com a aprovação do empréstimo, o governo dá o recado: contra todos os seus adversários e enfrentando atropelos pelo caminho, a enorme hidrelétrica continuará em andamento acelerado. Quer que a primeira das 24 gigantescas turbinas comece a gerar energia em fevereiro de 2015 e a última, em janeiro de 2019. Não por acaso, Belo Monte ganhou do governo Lula o título de hidrelétrica estratégica, a primeira com esse tratamento no Brasil.
Principal item do Plano Decenal de Energia (2013/2022), Belo Monte, com seus 11,2 mil megawatts nominais, contribuirá — nos cálculos oficiais — com 33% da energia que será acrescida à capacidade brasileira de produção durante o período da motorização das suas máquinas, entre 2015 e 2019. Teria condições de atender à demanda de 18 milhões de residência e 60 milhões de pessoas, ou ao consumo de toda população das regiões Sul e Nordeste somadas.
Não surpreende que o BNDES, com uma carteira de negócios desse porte, tenha se tornado maior do que o Banco Mundial, sediado em Washington, algo "nunca antes" inimaginável, como diria o ex-presidente Lula. Além dos milionários recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que estão à sua disposição, apesar da paradoxal relação, e da sua receita própria, o banco tem recebido crescentes aportes do tesouro nacional, uma preocupante novidade nos últimos tempos. A opinião pública parece não atentar para a gravidade desse fato.
Tanto dinheiro público chegou ao caixa do BNDES a pretexto de fortalecer o capitalismo brasileiro, que agora se multinacionaliza. Um dos focos das aplicações intensivas do banco é o controverso setor dos frigoríficos, alçado ao topo do ranking internacional pela pesada grua financeira estatal.
Com paquidérmicos compromissos de desencaixe de dinheiro, o BNDES tem sido cada vez mais socorrido pelo governo federal. É o que acontece no caso de Belo Monte. Dos R$ 22,5 bilhões aprovados para a hidrelétrica, apenas R$ 9 bilhões são recursos próprios do banco, que não os aplicará diretamente: R$ 7 bilhões serão repassados através da Caixa Econômica Federal e R$ 2 bilhões por meio de um banco privado, o BTG Pactual. Os outros R$ 13,5 bilhões sairão do caixa do tesouro nacional, o que quer dizer dinheiro arrecadado através dos impostos federais — do distinto público, portanto.
É interessante a composição dessa transação. O BNDES recorreu às duas outras instituições financeiras, ao invés de fazer ele próprio o negócio, sob a alegação de risco de inadimplência. Se o tomador do dinheiro, que é a Norte Energia, controlada por fundos e empresas estatais federais, não pagar o empréstimo, os intermediários responderão pelo calote. Naturalmente, cobrando o suficiente (e algo mais) para se resguardarem desse risco.
Já o dinheiro do cidadão, gerido pela União, terá aplicação direta pelo BNDES. Da nota divulgada ontem pelo banco deduz-se que esta parte do negócio é imune à inadimplência. Provavelmente não pela inexistência de risco, o que é impossível nesse tipo de operação. Talvez porque, se o dinheiro não retornar, quem sofrerá será o erário, e o contribuinte, no fundo do seu bolso.
O orçamento da hidrelétrica de Belo Monte começou com a previsão de R$ 9 bilhões. Hoje está três vezes maior. Nem o "fator amazônico", geralmente considerado complicador imprevisível em virtude das condições das regiões pioneiras, de fronteira, nem a inflação ou os dados disponíveis sobre as obras em andamento, que já absorveram quase R$ 3 bilhões em menos de dois anos, explicam esse reajuste.
Foi assim com a hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, no Pará, a quarta do mundo. Ela começou a ser construída em 1975 e a primeira das 23 turbinas entrou em atividade em 1984. O orçamento era inicialmente de 2,1 bilhões de dólares. Chegou a US$ 7,5 bilhões por cálculos extraoficiais, numa época em que a moeda nacional estava desvalorizada. Mas talvez tenha ido além da marca de US$ 10 bilhões.
O precedente devia estimular a opinião pública a se acautelar, ao invés de se omitir, como se a parte mais sensível do corpo humano já não fosse mais o bolso

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